Mistura viralizada nas redes sociais promete emagrecimento e bem-estar, mas pode causar sobrecarga nutricional e interações medicamentosas
Nos últimos meses, a chamada “Farinha da Felicidade” virou moda nas redes sociais e conquistou espaço em perfis de influenciadores de bem-estar. Vendida como um “superalimento” capaz de auxiliar no emagrecimento, melhorar a digestão, equilibrar hormônios e aumentar a disposição, a mistura se popularizou pelo apelo de praticidade e pela promessa de resultados rápidos.
Thays Klein Pegoraro, nutricionista da Hapvida, explica que não existe uma receita única para a “Farinha da Felicidade”. As versões mais comuns reúnem ingredientes como ora-pro-nóbis, fibra de maçã, psyllium, farinha de beterraba, maca peruana, farinha de banana verde, aveia, gergelim e gérmen de trigo.
O atrativo está justamente no nome. O título chamativo sugere uma solução fácil e imediata. “O apelo emocional da palavra ‘felicidade’ gera curiosidade, viraliza e acaba reforçando a busca por respostas rápidas para problemas complexos de saúde”, explica a especialista.
Benefícios existem, mas dependem do contexto
Os componentes da mistura, de fato, têm propriedades nutricionais reconhecidas. As fibras presentes em ingredientes como psyllium, aveia e banana verde contribuem para saciedade, controle glicêmico e funcionamento intestinal. Já alimentos como beterraba, maca peruana e ora-pro-nóbis oferecem antioxidantes, minerais e energia.
“O problema não está nos ingredientes isoladamente, mas no consumo sem orientação. A composição varia muito entre marcas e receitas caseiras, o que torna difícil prever os efeitos no organismo”, afirma Thays.
Apesar de naturais, os ingredientes podem trazer riscos quando usados em excesso ou sem indicação correta. Entre os efeitos adversos estão gases, constipação, interferência na absorção de medicamentos e desconforto intestinal, especialmente em pessoas com condições como síndrome do intestino irritável ou intolerância ao glúten.
Além disso, Thays alerta para interações medicamentosas. Fibras e mucilagens, como o psyllium, podem reduzir a absorção de antibióticos, suplementos de ferro ou cálcio e até levotiroxina, usada no tratamento da tireoide. “Misturas ricas em proteína vegetal, potássio e fósforo também podem sobrecarregar os rins, especialmente em pacientes com doença renal crônica”, completa.
O mito do “natural”
Um dos maiores riscos, segundo Thays, é acreditar que o natural é sinônimo de inofensivo. A nutricionista explica que produtos naturais realmente têm efeitos no organismo e, justamente por isso, também podem causar efeitos colaterais ou interagir com medicamentos. Ela destaca ainda que a segurança depende da dose, da frequência e do estado de saúde de cada pessoa.
Para evitar riscos, a recomendação é buscar orientação profissional antes de incluir farinhas ou suplementos funcionais na rotina. O nutricionista analisa o histórico clínico, exames laboratoriais, uso de medicamentos, hábitos alimentares e objetivos individuais de cada paciente. “Nosso papel é filtrar modismos, avaliar a real qualidade do suplemento e integrar o produto de forma segura à rotina alimentar. Saúde não é mágica, é processo”, reforça Thays.
Mais consciência, menos modismos
O fenômeno da “Farinha da Felicidade”, na avaliação da especialista, reflete a pressa por resultados imediatos em um mundo de rotinas cada vez mais aceleradas. “Antes de adotar qualquer mistura funcional, é preciso lembrar que o corpo de cada pessoa é único”, ressalta Thays. O que pode trazer benefícios para alguns, pode ser ineficaz ou até prejudicial para outros.
Para ela, o caminho mais seguro é apostar em conhecimento, equilíbrio e orientação profissional. “O bem-estar verdadeiro não vem em pó. Modas passam, mas o organismo guarda as consequências das escolhas que fazemos. Quem busca energia, controle de peso ou prevenção de doenças deve investir em acompanhamento individualizado, que traz resultados duradouros e com segurança”, conclui Thays.