Tanto a região do Caraça quanto a cidade de Mariana são referências quando se trata de turismo religioso. E as duas localidades têm um importante personagem em comum: Dom Antônio Ferreira Viçoso, mais conhecido como Dom Viçoso, que, no último dia 13 de maio, foi lembrado pelos 234 anos de seu nascimento e, no dia 7 de julho, quarta-feira, às 15h, terá sua obra celebrada em um evento on-line com o lançamento de um caminho de peregrinação, do Caraça a Mariana, e da quarta edição do livro que conta a sua história, escrito em 1896, pelo seu afilhado, Dom Silvério.
O evento on-line, transmitido por meio do YouTube e Facebook, vai ser presidido pelo Arcebispo Metropolitano de Mariana, Dom Aírton José dos Santos, com a participação de vários sacerdotes. Uma missa será realizada em honra a Dom Viçoso, que marcará a abertura das ações preparatórias aos 150 anos da morte do Santo Bispo, o que irá ocorrer em 2025.
Inúmeras teses, estudos, artigos, livros escritos pelo Brasil afora sobre o seu episcopado comprovam a importância de Dom Viçoso para a história de Minas Gerais e do Brasil. Versos de poetas, como Alphonsus de Guimaraes, Dom Oscar de Oliveira e Carlos Drummond de Andrade também trazem citações sobre a vida e a obra do religioso. Além disso, ele dá nome a ruas em Mariana, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Juiz de Fora, Sabará, Viçosa e outras cidades. Aliás, Viçosa foi assim nomeada em sua homenagem e, há também, no sul de Minas, a cidade de Dom Viçoso, e em Ervália e Piedade de Ponte Nova, povoados com o nome do religioso. Em Peniche, sua terra natal, há o Largo do Bispo de Mariana e azulejos decorativos que contam um pouco da sua trajetória.
A Santa Sé concedeu a Dom Viçoso o título de Venerável, pois o Papa Francisco autorizou a publicação do decreto reconhecendo as virtudes heroicas do Servo de Deus, Dom Antônio Ferreira Viçoso. O próximo passo é cumprir a última exigência: a comprovação de um milagre a ser submetido à análise dos peritos da Congregação das Causas dos Santos.
Caminho de fé
O caminho religioso batizado com o nome “Nos Passos de Dom Viçoso”, é um trajeto de 88 km que pode ser percorrido a pé ou de bicicleta. Para o Padre José Carlos dos Santos, Diretor da Faculdade Dom Luciano Mendes e organizador da reedição do livro que conta a vida do Santo Bispo, a iniciativa posicionará a região como referência em peregrinação religiosa e será uma oportunidade para que turistas e moradores façam uma caminhada de fé. “Além de caminhar por lindas paisagens, conhecer novos lugares, pessoas e sabores incríveis, é uma oportunidade de refazer o trajeto que o religioso tantas vezes percorreu, numa imersão de vivência espiritual marcante e surpreendente”, afirma.
O caminhante contará com vários marcos de quilometragem que já estão instalados e podem ser vistos a cada km, além de placas de sinalização. Por todo o percurso é possível encontrar oratórios que trazem mensagens baseadas nas virtudes de Dom Viçoso. “Planejamos toda a estrutura de comunicação para ajudar as pessoas que desejam viver esta experiência. Além dos marcos físicos instalados nas localidades, desenvolvemos um website que reúne desde a história de Dom Viçoso, até as questões práticas, como pontos de apoio, hospedagens e dicas de segurança com avisos e recomendações”, conta um dos idealizadores do projeto, que compilou as informações e um mapa no endereço eletrônico www.domvicoso.org.br.
Durante a peregrinação será possível pernoitar no Caraça, Catas Altas, Santa Rita Durão, Camargos e Mariana, fazendo trechos de caminhada dia a dia. Um trabalho de fomento à hospitalidade foi iniciado em Santa Rita Durão e Camargos para a preparação de acomodações familiares. Em todos os lugares, será possível saborear as quitandas típicas, a comidinha no fogão à lenha, e as sobremesas tradicionais de cada terra.
O ponto de partida de “Nos Passos de Dom Viçoso” é o Santuário do Caraça, local onde funcionou o Colégio do Caraça, de 1820 até o grande incêndio, de em 1968. O trajeto passa por lugares icônicos e proporcionam, além de uma experiência única ao turista, uma oportunidade de absorver conhecimentos sobre aspectos importantes da história mineira. Para o Padre Luís Carlos, Superior do Caraça, além da divulgação dos feitos de Dom Viçoso, a iniciativa também vai contribuir para fomentar o potencial turístico em toda a região. “Creio que poderá reforçar a diversificação e o crescimento da economia nas cidades de Catas Altas e Mariana, favorecendo assim, a melhoria do atendimento nos estabelecimentos de hospitalidade e alimentação além de possibilitar o surgimento de outros empreendimentos que poderão estar associados à criação deste caminho e rota de turismo religioso”, opina.
O Padre Luís Carlos destaca que o Santuário do Caraça, como um local de peregrinação e irradiação da fé cristã, tem um grande potencial para colaborar na propagação da devoção a Dom Viçoso, sobretudo, sendo um referencial histórico de sua passagem por essas terras. “Alegra-nos muito a iniciativa tomada pelos responsáveis pelo projeto do Caminho “Nos Passos de Dom Viçoso” e torcemos e rezamos para que de fato, as pessoas se sintam agraciadas por iniciarem aqui a sua caminhada e que levem consigo o desejo de fortalecimento da fé, conversão, revisão de vida e alcancem as graças que desejam pela intercessão do Servo de Deus Dom Viçoso”, completa.
Após a partida do local onde funcionou o colégio fundado por Dom Viçoso, a primeira parada, a pouco mais de 4 km, é para contemplar e se refrescar nas águas límpidas e geladas da Cachoeira Cascatona, ainda dentro da Reserva Particular do Patrimônio Natural do Santuário do Caraça. A trilha para chegar ao local é em meio à Mata Atlântica, o que proporciona ao peregrino caminhar respirando o ar puro e apreciando toda a beleza natural do local.
No km 12 do trajeto, o caminhante terá um encontro com a religiosidade ao visitar a Capela de Santana do Morro. Em seguida, no km 21,5, o contato com uma construção histórica de grande valor cultural, o Bicame de Pedra, construído por escravos por volta de 1892, que funcionou como um aqueduto que tinha como objetivo captar e conduzir a água da Serra do Caraça, até esta parte baixa da região, na localidade de Brumado, onde o ouro era extraído e lavado. Atualmente restam dele, apenas cerca de 200 metros, de pedras de quartzitos.
No km 28, a charmosa Catas Altas é o próximo destino. Reconhecida como cidade histórica e ecológica, é situada aos pés da Serra do Caraça e resguardada pelo contraforte da Serra do Espinhaço. Seguindo mais dois quilômetros, mais uma parada para fortalecer a espiritualidade, desta vez no famoso Oratório São Judas Tadeu.
Ainda em Catas Altas, o caminhante passará pelo pequeno povoado do Morro D’ Água Quente, composto por ruas com muros feitos em Canga, casinhas simples e tradicionalmente mineiras. O contato com a natureza é garantido na Trilha Chapada do Canga, que levará o caminhante até a próxima parada do trajeto.
No km 46, Santa Rita Durão, distrito de Mariana, permite encher os olhos com belezas da história mineira e grandes paisagens naturais. Logo em seguida, o turista passará pelas ruínas do que um dia foi um povoado feliz e cercado de belezas naturais: o subdistrito de Bento Rodrigues, que contava com 200 casas e 620 habitantes até 5 de novembro de 2015, quando a localidade foi devastada em consequência do rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração de ferro, no Rio Gualaxo do Norte.
Passado o momento de reflexão sobre o impacto da mineração para o meio ambiente e as vidas humanas, mais uma oportunidade de conhecer um pouco mais da história. No km 64 da caminhada, o distrito de Camargos, também em Mariana, possuindo um total de 76 domicílios particulares. O povoado foi fundado em 1711 por um grupo de paulistas e vicentinos, do qual faziam parte José de Camargo Pimentel, alcaide-mor de São Vicente e São Paulo, junto com seus primos João Lopes de Camargo, Thomaz Lopes de Camargo e Gonçalo Lopes de Camargo. Se o turista quiser visitar as ruínas históricas, basta desviar a rota por apenas 3 km.
Entre Camargos e Mariana, uma oportunidade para aproveitar o clima das montanhas e degustar a típica comida mineira é na Fazenda da Palha, ainda no distrito de Camargos. Depois, o museu a céu aberto de Mariana é um convite para conhecer uma pouco mais da história de Minas Gerais e do Brasil, com as suas construções e igrejas charmosas, além da oportunidade de visitar o túmulo de Dom Viçoso, que se encontra na cripta da Catedral Basílica de Mariana. E por fim, o ponto final da caminhada é na Cartuxa de Dom Viçoso, casa simples onde o religioso se recolhia e teve o fim da sua vida em 07 de julho de 1875, cuja cama onde seu corpo foi encontrado se encontra preservada.
Lançamento do livro
Afilhado de Dom Viçoso, Silvério Gomes Pimenta, de Congonhas, o Pe. Silvério e mais tarde o Primeiro Arcebispo de Mariana, escreveu, em 1896, o livro “Vida de Dom Antônio Ferreira Viçoso, Bispo de Mariana e Conde da Conceição”, onde relata as incomuns virtudes do Santo Bispo de Mariana” e suas obras. Este livro, em sua quarta edição, que agora é lançada, fez com que o seu autor alçasse uma Cadeira na Academia Brasileira de Letras.
De acordo com o padre José Carlos dos Santos, um dos responsáveis pelo relançamento da biografia, a ideia de reeditar o livro surgiu em 2016, após o Monsenhor Flávio Carneiro apresentar a causa de beatificação do venerável Dom Antônio Ferreira Viçoso em um evento do Seminário São José, em Mariana (MG). “O desejo de contribuir para que Dom Viçoso seja mais conhecido e venerado fez brotar a ideia de reeditar a biografia redigida pelo seu afilhado. O livro é uma viagem não somente pelo que Dom Viçoso realizou, mas ao seu mundo interior, ao seu itinerário vocacional e de santificação, no serviço a Deus num contexto assinalado por imensos desafios", explica.
O Padre José Carlos destaca que a primeira parte da obra conta sobre a vida pessoal de Dom Viçoso, descrevendo as fases vividas por ele, desde o contexto de nascimento até o ingresso no seminário. Já a segunda parte apresenta o trabalho realizado por Dom Viçoso na Diocese. “Além de valorizar toda a trajetória de um homem que se tornou ícone no Brasil, o livro é um importante registro histórico e que merece ser conhecido pelas próximas gerações”, complementa.
A vida de Dom Viçoso
A história de Dom Viçoso começou em Peniche, cidade situada no litoral de Portugal, onde, em 13 de maio de 1787, nasceu o menino Antônio Ferreira Viçoso. Em 1818, foi ordenado padre na Congregação da Missão e chegou ao Brasil no ano seguinte, com 32 anos de idade, como missionário, juntamente com o Pe. Leandro Rabelo, para atuar em Jacueganga, no Rio de Janeiro.
Em seguida, os missionários foram designados para Igreja de Santa Mãe dos Homens, no Caraça, aonde os Missionários chegaram em 15 de abril de 1820. Lá, fundaram o tradicional Colégio do Caraça, que se tornou referência em educação no Brasil, visitado pelos Imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II e por onde passaram cerca de 11 mil alunos, dentre nomes ilustres da política regional e nacional, com ex-presidentes, deputados e governadores, com destaque a Afonso Augusto Moreira Pena, Antônio Augusto de Lima, Antônio Benedito Valadares Ribeiro, Arthur da Silva Bernardes, Astolfo Dutra Nicácio, Olegário Dias Maciel, entre outros.
Em 1822, por ordem de D. Pedro I, o então Padre Viçoso retorna para Jacuecanga, no Rio de Janeiro, como Reitor do Seminário da Santíssima Trindade. Ficou por lá até 1837 e saiu para voltar ao Caraça como Diretor do Colégio e eleito para o cago de Superior Geral da Congregação da Missão no Brasil. Com o passar dos anos, as responsabilidades foram aumentando cada vez mais e, em 1844, Dom Pedro II o nomeou como Bispo da Sé Catedral de Mariana, onde se destacou como “Defensor da Igreja”, “Reformador do Clero” e “Santificador do Povo Cristão”.
O religioso era contra a escravidão e um fato que ficou marcado na história foi quando Dom Viçoso recebeu, no Seminário de Mariana, um ex-escravo, mais tarde ordenado sacerdote a agora reconhecido como beato pela Igreja, o Pe. Vitor de Campanha. Aliás, foi o primeiro padre ex-escravo do Brasil.
“A humildade era uma característica marcante de Dom Viçoso. Sempre que possível, preferia recolher-se na simplicidade de sua “Cartuxa”, casa modesta, no alto de uma montanha em Mariana, do que alojar-se no Palácio Episcopal. Em sua morada, rezou, abençoou, escreveu, ordenou sacerdotes e sobretudo amou a sua Diocese e o seu povo”, comenta o Cônego Nedson Pereira de Assis, Pároco da Catedral de Mariana e responsável pela Cartuxa.
Dom Viçoso faleceu em “Fama de Santidade”, em 07 de julho de 1875, na humildade de sua cama na Cartuxa, que segue preservada até hoje. O povo já reconhecia em Dom Viçoso as virtudes de um Santo e assim o considerava em vida pelo seu modo de ser, de viver; por sua piedade, por sua humildade, por sua caridade.