Em variados pontos de Minas Gerais podem ser encontrados objetos, peças e demais frutos que vêm de diferentes tradições familiares, técnicas e identidades regionais.
A diversidade de matéria-prima e a criatividade do povo mineiro colocam Minas Gerais em posição de destaque quando o assunto é artesanato. Seja pela localização central, seja pelas diferentes culturas e influências, o fato é que os produtos, atrativos e surpresas do estado têm, hoje, reconhecimento nacional e internacional.
Se no Amapá o couro sintético é a referência, assim como as biojoias no Amazonas, a cerâmica Marajoara, no Pará, e os vidros de areia, no Ceará, em Minas Gerais, no entanto, não há apenas um produto como carro-chefe. Ao contrário, o artesanato no estado chama a atenção pela pluralidade, justamente por vir de diferentes frentes, como a cerâmica, tecelagem, entalhes madeira, pedras, rendas, panelas, arte sacra, reciclados e resíduos reaproveitados da indústria, couro e pele.
“Minas Gerais se destaca diante das riquezas de opções de produtos feitos por artesãos. Com isso, os produtores podem vender sua arte movimentando a cadeia produtiva do turismo e desenvolver economicamente a região, por meio da comercialização de produtos exclusivos”, sinaliza o secretário de Estado de Turismo, Ricardo Faria.
“Além disso, os turistas podem levar um pedacinho de Minas Gerais para eternizar sua passagem em solo mineiro. Seja uma lembrança ou um presente, o artesanato mineiro está gerando muitos frutos para as regiões e, consequentemente para o nosso turismo”, conclui o secretário.
Diversidade regional
Turistas que visitam as terras mineiras podem ver de perto e experienciar, em variados pontos de Minas, os frutos das tradições familiares, técnicas e toda a singularidade do artesanato local. São trabalhos como, por exemplo, o de Vinícius Rosa Filho, de Tiradentes, no Território Vertentes, artesão que, hoje, desenvolve, junto à esposa, diversos produtos com traços regionais por meio da Produção Nacional - um ateliê “100% tiradentino” que combina arte e ideias, sem perder de vista o cuidado com o meio ambiente.
“No ateliê, trabalhamos com madeiras de demolição, latas e materiais reaproveitados. Transformamos portas velhas, por exemplo, em tampos de mesa, realizamos pinturas sobre latas de ferro velho”, exemplifica o artesão. “Os produtos são feitos artesanalmente mesmo, com escolha criteriosa dos materiais e muita revisão de acabamento antes de levar aos clientes peças como pinturas barrocas, santos, elementos tropicais (flora e fauna) e produtos relacionados com as cores e a identidade da região”, reforça. “Importante é que a arte esteja boa em todos os sentidos: é sentir a peça (tato, visão, etc.), não apenas passar no maquinário”, complementa.
Na família, a arte em madeira começou com o avô José Balbino Rios, um dos principais marceneiros e restauradores da cidade histórica. Na infância, Vinícius passava boa parte do tempo brincando com as sobras de madeira da serra de fita, tintas e pincéis do ateliê na loja do tio Fernando Rosa. Com o tempo, aprendeu a fazer reproduções renascentistas e releituras do barroco mineiro e continuou a desenvolver a habilidade. Hoje, aos 36 anos, Vinícius soma 21 deles dedicados ao artesanato e 18 à criação de seu próprio ateliê, fonte de renda da família em Tiradentes.
Com o diferencial ecológico da produção, que transforma peças sem prejudicar o meio ambiente, a Produção Nacional também está de olho nas novas gerações.
“Temos como preocupação, no ateliê, em sempre divulgar o que fazemos. Começamos com alguns parentes uma ação para trazer crianças para brincar na oficina, para terem contato com essa realidade, aprender a fazer e ver como tudo é feito”, explica. “Os jovens de hoje estão muito virtuais, acostumados a tudo pronto. Começamos com os parentes e familiares, para pegar experiência, e queremos fazer oficinas para crianças para mostrar e incentivar o contato com o artesanato”, completa.
A divulgação dos produtos do ateliê de Tiradentes ocorre, muito, por conta de convites para feiras, apresentação para novos clientes. O Sebrae é lembrado pelo artesão por sempre para eventos e realizar cursos, assim como o Governo de Minas Gerais, que convida para feiras e exposições. Como Vinícius, há diversos artesãos na região de Tiradentes que combinam a cultura local aos produtos que mantêm viva a tradição e as riquezas do Campo das Vertentes.
Fibra e alumínio
Por trás de cada produto, há uma história, que pode vir da tradição familiar, de um sonho pessoal ou mesmo de uma oportunidade vista numa matéria-prima que acabaria descartada. É o caso, por exemplo, da Cooperativa Mariense de Artesanato - Projeto Gente de Fibra, em Maria da Fé, no Território Sul. Lá, a artesã Rosilene Cruz e outras profissionais dão vida a tapetes, cortinas, cordas, rendas, embalagens, jogos americanos e outros produtos, a partir da carcaça de bananeira - que era abandonada após a colheita -, e também do papelão reaproveitado.
“Quando o trabalho começou, há 18 anos, utilizávamos jornal. Depois, trocamos pelo papelão, pois percebemos que a fibra da carcaça da bananeira combinava melhor com a cor desse material, que a fibra da bananeira aparecia mais no produto final”, explica Rosilene, que está desde o início do projeto. “Nosso diferencial está no produto totalmente ecológico feito a partir da nossa matéria-prima, que é o papelão reutilizado (que seria jogado fora) e o tronco da bananeira, que acabaria apodrecido na terra, sem utilização”, observa.
Para a pintura, em boa parte da produção a cooperativa recorre a pigmentos de terra, como o ocre e o marfim. “Cozinhamos o tronco o da bananeira verde e, daí, tiramos a fibra dourada, que é utilizada na peça. Além disso, também utilizamos uma palha seca do tronco que serve para fazer os fios – cordinhas – para dar acabamento. Hoje, todo mundo que trabalha no Gente de Fibra vive com a renda dos produtos do artesanato”, enfatiza Rosilene.
Do Sul de Minas, o visitante pode partir para o Território Mucuri, mais precisamente ao município de Juiz de Fora, naquela que é considerada a zona metalúrgica do estado. É justamente lá, numa das maiores cidades mineiras, que se encontra um artesanato mais contemporâneo, muito em função das tradições locais, de uma região ligada à indústria e ao reaproveitamento de resíduos e materiais.
O casal de empreendedores, Francisco (Chico) de Paula e Myriam Loureiro, por exemplo, se uniu, em 2010, para uma nova proposta. Ele, com a experiência de Desenho Industrial, design autodidata e de criação de produtos em madeira; ela, com a habilidade e a criatividade da Comunicação Social para ajudar com novas ideias para as criações e fortalecer os serviços em artes gráficas. Em parceria, eles queriam desenvolver, entre outros produtos e serviços, objetos de utilidade, buscando sempre soluções com design, com um toque minimalista.
Tendo o alumínio como única matéria-prima (chapa e perfil – barras, hastes do metal), Chico chegou a um design original projetado com precisão geométrica, batizado de Linha Dobra. Para avançar no desenvolvimento e criação de produtos, juntos, eles formalizaram a LoureiroPaulaDesign - Oficina Artesanal de Objetos Multifuncionais. E é por meio dela que Chico e Myriam comercializam, desde então, objetos e produtos com várias possibilidades de uso para casa e escritório, que cultivam o conceito da sustentabilidade e a proposta de trazer o máximo de vida útil, com o mínimo de insumos.
“O alumínio é muito versátil, tanto as barras como as chapas. Ele é maleável e permite ser dobrado em calandras manuais. Assim foram desenvolvidas, na oficina (que sempre existiu em nossa casa), as calandras para os diversos ângulos de dobraduras”, explica o artesão. “Nosso produto é resultado da indústria do alumínio e da simplicidade encontrada em se obter com as mãos um objeto útil. O design traz corpo e alma ao produto. O destaque é a forma final que enche os olhos. O diferencia de imediato. A Linha Dobra é a cara do amanhã, se afina com o futuro e com a urgência de ser sustentável hoje”, destaca Myriam.
Para a sobrevivência do projeto, eles contam com o apoio da Central Mãos de Minas, Instituto Centro de Capacitação e Apoio ao Empreendedor (Centro Cape), Associação Brasileira de Exportação de Artesanato (Abexa), Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e do Sebrae.
“O estímulo que vem destas instituições faz toda a diferença”, revela o casal, que também participou, com o suporte dessas instituições, de feiras e eventos dedicados à divulgação do artesanato em Belo Horizonte, São Lourenço e São Paulo. “Percebemos, no entanto, que o público destas feiras procura o artesanato, digamos, com matérias-primas mais orgânicas, o artesanato tradicional. Por enquanto, o que mantém a oficina são os serviços de sinalização corporativa”, revela Myriam.
Tecendo a arte
Técnicas consagradas pelo tempo também inspiram o artesanato no Território Sudoeste, região onde há mais de 100 unidades produtivas dedicadas à arte de tecer e tingir fios de fibras. Minas Gerais, inclusive, segundo registro da Secretaria de Estado de Turismo (Setur), foi a região brasileira que mais absorveu a arte de tecer manualmente e com características originais, mesmo conservando a prática trazida pelos colonizadores portugueses.
A tecelagem, cada vez mais inserida conceitualmente na manifestação da arte popular contemporânea, mantém seu caráter interativo com as linguagens artísticas, com expressividade e regionalidade. A Tecelagem WS, por exemplo, em Carmo do Rio Claro, foi fundada em 1989 pelo casal Wellington e Silvani (Vaninha), com o objetivo de produzir tecidos artesanais, a partir de diferentes fibras naturais (linho, seda, algodão, viscose).
Desde o falecimento de Vaninha, em 2001, o marido e os filhos dão continuidade ao trabalho iniciado pela artesã, como conta a filha e sócia-proprietária, Bruna Pereira. "O nosso diferencial é a exclusividade do manual, alinhada com o design contemporâneo", caracteriza Bruna. Inclusive, a Tecelagem WS foi premiada, em 2011, na XII House & gift de Design, por ter desenvolvido um tecido artesanal para decoração que reaproveita fitas VHS (veja o produto vencedor na galeria de fotos).
"A base de nossa tecelagem foi trazida pelos portugueses. Porém, com o tempo, os moradores começaram a criar novas padronagens e texturas que remetiam à nossa região e ao estilo de vida do interior. Algumas padronagens, inclusive, possuem até o nome do artesão que a desenvolveu", finaliza a sócia-proprietária.