Polícia

27/09/2016 Comandante manda prender PM que usou rede social para criticar a polícia

A Polícia Militar do Rio Grande do Norte mandou punir um soldado, com 15 dias de prisão, por entender que ele cometeu uma transgressão disciplinar ao usar uma rede social para fazer críticas ao atual modelo de polícia. João Maria Figueiredo da Silva é lotado na cidade de Touros, no litoral Norte potiguar. Ele ainda não foi oficialmente notificado da decisão e segue trabalhando normalmente.

Segundo Boletim Geral datado de 21 de setembro, o soldado “publicou palavras não condizente com a ordem castrense, que desrespeita e ofende a instituição e seus integrantes, além de promover o descrédito do bom andamento do serviço ostensivo da Polícia Militar, conduta que é considerada contrária as normas regulamentares e éticas esculpidas no Regulamento Disciplinar da Polícia Militar” (SIC).

As palavras nas quais a sindicância faz referência foram postadas no dia 26 de abril no Facebook. Encontram-se numa página chamada Mudamos – que propõe discussões sobre o sistema brasileiro de segurança pública. “Esse estado policialesco não serve nem ao povo e muito menos aos policiais que também compõe uma parcela significativa de vítimas do atual contrato social brasileiro. Temos uma Polícia que se assemelha a jagunços, reflexo de uma sociedade hipócrita, imbecil e desonesta!!” (SIC), comentou o soldado Figueiredo.

Para o tenente-coronel Arthur Emílio Monteiro de Araújo, assessor de comunicação da PM, a punição ao soldado foi aplicada conforme o previsto no regulamento. “Ele foi punido de acordo com as normas. Quando ingressou na Polícia Militar, ele sabia quais eram as regras. As redes sociais facilitam a comunicação, mas as pessoas esquecem dos cuidados. Essa é uma orientação que nós damos: tenham cuidado com o que é postado, porque o que é dito pode ser usado contra a própria pessoa. Muitas vezes, os policiais se expõem e acabam também expondo seus familiares sem necessidade alguma”, comentou.

Reprodução

 

'Punição severa'

Presidente da Associação dos Cabos e Soldados da PM no Rio Grande do Norte, o cabo Roberto Campos considera que a punição foi bastante severa. "Extremamente rigorosa e que causa muita preocupação. Estamos falando de um regulamento disciplinar ultrapassado, que pode dar margem para perseguições. O governador Robinson Faria prometeu, durante sua campanha, dar fim a isso, para acabar com essas prisões administrativas. O governador da Paraíba acabou com a prisão administrativa através de decreto e não com o regulamento disciplinar. O RN também precisa sair do discurso. Não existe nenhuma necessidade dessa punição. O soldado Figueiredo não atingiu ninguém. Acontece que estão usando um código arcaico para suprimir a liberdade de expressão, para esconder e não permitir que as pessoas tomem conhecimento dos abusos que ocorrem dentro dos quartéis da Polícia Militar”, declarou.

Ainda de acordo com Campos, o Regulamento Disciplinar da PM potiguar é tão antigo que ainda prevê punição para os militares que casarem sem antes solicitarem permissão aos seus superiores. “São coisas totalmente em desuso, mas que ainda estão no papel. E se alguém quiser fazer valer a regra? O policial que casar sem comunicar, deve ser preso? Se cuspir no chão, deve ser preso? Em um ambiente público, como em um ônibus ou em um restaurante, por exemplo, o policial deve se levantar e dar o lugar. O subordinado não pode estender a mão para apertar a mão de um superior, mas se o superior estender a mão, ele não pode se recusar a apertar. São coisas deste tipo que estamos falando”, acrescentou.

O advogado Bruno Saldanha, que faz a defesa do soldado, também comentou o caso. Segundo ele, “andou mal o comandante-geral da PM em prestar-se a abrir procedimento disciplinar para o fim de castrar o direito de pensamento do policial, de modo a constrangê-lo em decorrência de sua ideologia e pensamento político. A nosso ver, o procedimento em questão não se presta ao interesse público. As práticas, regras e hermenêuticas aplicadas ontem não devem ser as de hoje. A abertura de um procedimento desta natureza é um atentado à democracia, ao Estado de Direito. É ir contra tudo aquilo que se vem batalhando para que não aconteça, ou seja, o fim da Polícia Militar”.

Saldanha lembra que existe uma recomendação da Secretaria Nacional de Segurança Pública no sentido de extirpar a prisão disciplinar das corporações militares estaduais, bem como a reforma urgente dos regulamentos disciplinares e sua substituição por códigos de ética que estejam em consonância com a nova ordem constitucional. “A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou uma lei que veda a prisão disciplinar no âmbito da PM e do Corpo de Bombeiros Militar; o decreto de 21 de setembro deste ano, no estado da Paraíba, determinando a extinção da prisão disciplinar; o posicionamento do STF sobre a liberdade de expressão de militares e violação do artigo 220 da Constituição Federal, que trata da manifestação do pensamento; além dos tratados internacionais firmados pelo Brasil em defesa dos Direitos Humanos que, em razão das decisões dos comandos da PM e do Corpo de Bombeiros podem gerar sanções financeiras e diplomáticas, retratam claramente o que estamos defendendo aqui”, acrescentou o advogado.

 
 
Publicado no dia 21 deste mês. Boletim Geral da PM traz a punição de 15 dias de prisão ao soldado João Maria Figueiredo da Silva  (Foto: Reprodução/BGPMRN)
 
G1
 
 
 
 
 
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